20111006

Pratyahara e Dharana

Esta postagem é um capítulo da obra Raja Yoga - O Caminho Real.
Também pode ser encontrado aqui.

Negritos e caixas altas são minhas intromissões.

'A etapa seguinte é chamada pratyahara. Que é pratyahara? Sabemos como nascem as percepções. Em primeiro lugar há os instrumentos externos, depois os órgãos internos, funcionando no corpo através dos centros cerebrais, e por último, a mente. Quando todos se juntam e se ligam a algum objeto externo, então, percebemo-lo. Ao mesmo tempo, é bastante difícil concentrar a mente e ligá-la a apenas um órgão; a mente é a escrava de objetos físicos.

Costumamos ouvir: “Sede bons”, “Sede bons”, “Sede bons”, que todo o mundo ensina. Não há criança em qualquer pais que seja. que não tenha sido ensinada: “Não roubes”, “Não mintas”; mas ninguém ensina à criança como evitar o roubo ou a mentira. Falar-lhe apenas não basta. Por que não se torna ela um ladrão? Não lhe ensinamos como não roubar; simplesmente dizemos: “Não roubes”. Só quando lhe ensinarmos a controlar sua mente, realmente ajudamo-la.

Todas as ações, internas e externas, ocorrem quando a mente se liga a determinados centros, chamados órgãos. Querendo ou não, as pessoas juntam suas mentes aos centros. Essa, a razão por que cometem ações tolas e sentem-se infelizes. Porém, se tivessem a mente sob controle, não agiriam assim. Qual seria o resultado de controlar-se a mente? Seria o de evitar que ela ficasse ligada aos centros de percepção, e, naturalmente, o sentir e o querer estariam sob controle. E’ claro até aqui. Mas, isto é possível? Certamente que sim; vemo-lo praticado nos tempos atuais. Os curadores pela fé ensinam as pessoas a negarem a desgraça, a dor e o mal. Sua filosofia é um tanto vaga, porém, de uma ou outra forma, tropeçaram numa parte da yoga. Onde conseguem obter que uma pessoa se desembarace do sofrimento, negando-o, realmente utilizam uma parte de pratyahara, pois tornam a mente da pessoa, forte bastante para ignorar os sentidos. Os hipnotizadores, de maneira similar, por sua sugestão, provocam no paciente, por certo tempo uma espécie de pratyahara mórbido. A sugestão pseudo-hipnótica age somente sobre a mente fraca; e a menos que o operador, por meio de olhar fixo ou algo parecido, tenha conseguido colocar a mente do paciente numa espécie de condição mórbida, passiva, suas sugestões jamais conseguem qualquer resultado.

O controle temporário dos centros de um paciente, feito por um hipnotizador ou por um curador pela fé, é repreensível, porque conduz à ruína inevitável. Não se trata realmente de controlar os centros nervosos pelo poder do livre-arbítrio do paciente, mas sim, entorpecer-lhe a mente, por algum tempo, graças a golpes súbitos que a vontade de outrem lhe desfecha. É corno, para refrear a louca corrida de uma fogosa parelha, ao invés de utilizar as rédeas e a força muscular, pedir a outra pessoa que desfeche fortes golpes na cabeça dos animais, a fim de, tonteando-os, torná-los dóceis durante certo tempo. Em cada uma dessas atuações, a pessoa, sobre a qual se trabalha, perde parte de suas energias mentais, até que sua mente, ao invés de obter a faculdade de controle perfeito, torna- se em massa informe, impotente, e o paciente termina num asilo de loucos.

Toda tentativa de controle, não-voluntário, feita sem a vontade do indivíduo, não apenas é desastrosa mas também engana seu próprio objetivo. O fim de toda alma é a liberdade, o domínio – liberdade da escravidão da matéria e do pensamento, domínio da :natureza externa e interna. Em lugar de conduzir a esse resultado, toda corrente de vontade de outra pessoa, sob qualquer forma, controlando diretamente os órgãos ou forçando a que sejam controlados sob condições mórbidas, apenas forja mais um elo à pesada cadeia, já existente, da servidão das ações e superstições passadas. Portanto, cuidado, quando vos permitirdes a ação de outras pessoas sobre vós. Cuidado como, sem o saber, levais outras pessoas à ruína. Verdadeiramente alguns conseguem fazer o bem a muitos, por um certo tempo, dando novo caminho às suas propensões; mas levam, simultaneamente, a ruína a milhões, por sugestões inconscientes que semeiam a seu redor, despertando nos homens e mulheres aquela condição mórbida, passiva, hipnótica, que os torna, finalmente, quase despidos de alma.

Aquele que pede a outros que o creiam cegamente, ou que arrasta as pessoas atrás de si pelo poder controlador de sua vontade mais forte, ofende a Humanidade, ainda que o não pretenda. Usai, portanto, a mente, controlai corpo e mente, vós mesmos, e lembrai-vos que a menos de serdes enfermos, nenhuma vontade estranha poderá agir sobre vós. Evitai todos, grandes ou bons, que vos pedem crença cega.

Por todo mundo existiram seitas de danças, de pulos e uivos, cuja influência se espalha como infecção, conforme cantam, dançam e pregam; também elas são espécies de hipnotismo. Exercitam singular controle, durante certo tempo, sobre as pessoas sensitivas – mas por desgraça, acabam freqüentemente fazendo degenerar raças inteiras. Sim, é mais saudável para o indivíduo ou para a raça, permanecerem perversos, do que se tornarem aparentemente bons por um controle tão mórbido e esquisito. Dói-nos o coração pensar quanto mal é feito à Humanidade por tais fanáticos religiosos irresponsáveis, animados todavia de boas intenções. Não sabem que as mentes que sofrem brusca reviravolta espiritual sob suas sugestões, com música e rezas, vão simplesmente se tornando mórbidas, passivas, impotentes e vulneráveis a quaisquer outras sugestões, por piores que sejam. Mal sonham essas pessoas, ignorantes e enganadas, que enquanto se felicitam pelo poder miraculoso de transformar os corações humanos, cujo poder, pensam, foi-lhes outorgado por algum Ser acima das nuvens, estão semeando futura decadência, crime, loucura e morte. Portanto, acautelai-vos de tudo que vos despoja da liberdade. Sabei que é perigoso e evitai-o, por todos os meios possíveis.

Aquele que pôde, à vontade, ligar ou tirar sua mente dos diferentes centros, obteve êxito em pratyahara, palavra cujo significado é “acumular para o futuro”, refrear a capacidade dispersiva da mente, libertá-la do domínio dos sentidos. Quando o conseguirmos, teremos realmente formado nosso caráter, teremos feito um longo estirão na trilha da liberdade; enquanto isso, somos meras máquinas.

Quão árduo é controlar a mente! Bem foi ela comparada ao macaquinho maluco, da história. Havia um macaquinho, inquieto por sua própria natureza, como todos os macacos. Como se não bastasse isso, alguém o fez beber bastante vinho, de forma que se tornou ainda mais irrequieto. Então, um escorpião o ferrou. Quando uma pessoa é ferrada por um escorpião, salta de dor durante todo um dia, O pobre macaquinho sentiu-se absolutamente miserável. E para completar sua desgraça, um demônio o possuiu. Que palavras podem descrever a sua incontrolável inquietação? A mente humana assemelha-se ao macaquinho. Incessantemente ativa por sua própria natureza, embriaga-se com o vinho do desejo, que lhe aumenta a turbulência. Depois que o desejo apoderou-se dela, vem o ferrão do escorpião do ciúme pelo sucesso dos outros; e por fim o demônio do orgulho instala-se na mente, fazendo-a atribuir-se muita importância. Quão árduo o controle da mente!

Portanto, a primeira lição é sentar-se por um tempo e deixar vagar a mente. Ela está em efervescência durante a maior parte do tempo. Assemelha-se àquele saltitante macaquinho. Que o macaco salte quanto queira; simplesmente esperai e observai. Conhecimento é poder, diz o provérbio, e é verdadeiro. A menos que se saiba o que a mente está fazendo, não se a pode controlar. Entregai-lhe as rédeas, talvez surjam muitos terríveis pensamentos; ficareis admirados ao ver que é possível ter tais pensamentos; mas encontrareis que a cada dia que passa, as divagações da mente serão menos violentas, que gradualmente ela se vai tornando mais tranqüila. Nos primeiros meses notareis na mente uma infinidade de pensamentos; depois, que vão diminuindo e que em mais alguns meses serão bem poucos, até que, por fim, a mente estará sob perfeito controle. Mas deveis praticar pacientemente, dia a dia, Enquanto há vapor, a locomotiva corre; enquanto as coisas existem perante nós, percebemo-las. Da mesma forma uma pessoa, para provar que não é uma máquina, deve demonstrar que não está sub- missa a nenhum domínio. Controlar a mente e não permitir que ela se ligue aos centros, é pratyahara. Como consegui-lo? É um trabalho imenso; não pode ser feito num dia. Somente pelo esforço contínuo, paciente, durante anos, teremos êxito.

Depois de praticardes pratyahara por algum tempo, dai o passo seguinte, dharana, que consiste em fixar a mente em certos pontos. Que significa fixar a mente em certos pontos? Obrigá-la a sentir certas partes do corpo, com exclusão de outras. Tentai, por exemplo, sentir somente a mão. Quando chitta, ou estofo mental, está confinado e limitado a um certo local, temos dharana. Dharana é de várias espécies, e simultaneamente com sua prática, deve-se dar livre curso à imaginação. Por exemplo, levemos a mente a pensar sobre um ponto no coração, o que é muito difícil. É mais fácil imaginar que ali existe um lótus efulgente de luz. Fixai a mente sobre ele. Ou então, pensai em um lótus cheio de luz, no cérebro ou nos diferente centros, já mencionados, do Sushumna.

O yogui precisa praticar sempre. Deve tentar viver só; a companhia de diferentes espécies de pessoas distrai a mente. Não deve falar muito, porque a fala distrai a mente; não deve trabalhar muito, porque muito trabalho distrai a mente; a mente não pode ser controlada depois de um dia inteiro de trabalho árduo. Só observando essas regras podemos nos tornar yoguis.

Tão grande é o poder da yoga que mesmo uma prática muito pequena traz-nos imenso benefício. A ninguém prejudica, todos serão beneficiados. Em primeiro lugar fará diminuir o excitamento nervoso, trará paz, capacitando-nos a ver mais claramente as coisas. Temperamento e saúde se tornarão melhores. Ótima saúde será um dos primeiros sinais, assim como uma bela voz. Os defeitos da voz serão corrigidos. São estes alguns dos muitos efeitos que advirão. Os que praticarem bastante e intensamente conhecerão outros sinais. Haverá sons, como uma porção de sinos soando à distância, aproximando-se e se fazendo sentir de forma contínua ao ouvido. As vezes, ver-se-ão coisas – pequenas réstias de luz flutuando e aumentando; e quando tais coisas aparecerem, sabei que progredis, rapidamente. Aqueles que desejam ser yoguis e praticar muito, devem, no início, cuidar de sua dieta. Mas os que desejam apenas uma pequena prática para uma vida diária de negócios – que não comam muito; de outra forma, podem comer o que lhes agradar.

 Para os que desejam progredir rapidamente e praticar muito, é absolutamente indispensável uma estrita dieta. Encontrarão vantajoso viver apenas de leite e cereais, por alguns meses. À medida que a organização geral do corpo se torna mais fina, notar-se-á que a mínima irregularidade pode romper o equilíbrio. Um pedacinho de comida a mais, ou a menos, prejudicará todo o sistema, até que se obtenha perfeito controle e se possa comer o que se deseja. Quando uma pessoa começa a se concentrar, a queda de um simples alfinete soará, no cérebro, como um estrondo. Os órgãos vão se tornando mais finos e também as percepções. Estes, os estágios através dos quais temos de passar. Todos aqueles que perseveram, obtêm resultado. Abandonai toda discussão e outras distrações. O que pode haver em uma querela intelectual seca? Só tira a mente de seu equilíbrio e a prejudica. As coisas dos planos mais sutis devem ser realizadas. A mera conversa poderá consegui-lo? Abandonai toda conversa fútil. Lede somente livros escritos por pessoas que tiveram experiências espirituais.

Sede como a ostra que produz a pérola. Unia linda fábula hindu diz que, quando uma gota de chuva cai numa ostra, estando a estrela Swati no ascendente, aquela gota se torna em pérola. As ostras sabem disso; vêm então à superfície quando surge a estrela e aguardam as gotas preciosas. Quando uma gota cai dentro delas, fecham rapidamente as carapaças e mergulham, para o fundo do mar, onde pacientemente transformam a gota em pérola. Deveis ser assim. Primeiro ouvi, depois entendei, e deixando de lado toda distração, cerrai vossas mentes às influências externas e dedicai-vos a desenvolver a verdade dentro de vós. Há o perigo de desperdiçar as energias pelo fato de tomar uma idéia só pela sua novidade, abandonando-a por outra mais nova. Tomai uma coisa seriamente, segui-a, ide até o fim e enquanto não o fizerdes, não a abandoneis. Aquele que pode se tornar louco com uma idéia, verá a luz. Aqueles que apanham uma migalha aqui, outra ali, nunca chegarão a nada. Podem excitar seus nervos uni momento, mas param aí. Serão escravos nas mãos da natureza e nunca irão além dos sentidos.

Os que realmente desejam ser yoguis devem renunciar, urna vez por todas, esse mendigar de coisas. Apoderai-vos de uma idéia; fazei dela a vossa vida, pensai nela, sonhai com ela, vivei dela. Que cérebro, músculos, nervos, cada parte de vosso corpo se encha dessa idéia. Deixai de lado toda as outras. Eis o caminho do sucesso, o único que constrói gigantes espirituais. Outros são meros gramofones. Se realmente queremos ser abençoados e tornar os outros abençoados, devemos ir mais fundo.

O primeiro passo é não perturbar a mente, não nos ligarmos a pessoas cujas idéias possam nos inquietar. Todos sabeis que certas pessoas, certos lugares, certos alimentos, vos repugnam. Evitai-os; os que desejam realizar o mais elevado devem evitar companhia, boa ou má. Praticai firmes; se viveis ou morreis, tanto faz, Deveis mergulhar, e trabalhar sem almejar o resultado. Sede valentes e em seis meses vos tomareis perfeitos yoguis. Mas aqueles que tomam uni pouquinho disso e um tanto do restante, não progridem. De nada vale só o assistir a uma série de aulas. Aqueles que são cheios de tamas, ignorantes e inertes, cujas mentes jamais se fixam sobre qualquer idéia, que buscam sempre algo que os divirta, a religião e a filosofia são simples objetos de entretenimento.estes são os que não perseveram. Ouvem uma palestra, acham-na interessante, e depois vão para casa e se esquecem dela. Para obter sucesso é necessário tremenda perseverança, vontade extraordinária. “Beberei o oceano e à minha vontade as montanhas ruirão”, diz a alma perseverante. Enchei-vos dessa energia, dessa vontade. Trabalhai duro. E chegareis à meta.'

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