20081225

Que é iluminação?

MOYERS: Que é iluminação?

CAMPBELL: Iluminação é o reconhecimento da radiância da eternidade em meio às coisas, quer sejam julgadas, na visão temporal, boas ou más. Para chegar a isso, é preciso libertar-se completamente do desejo dos bens deste mundo, bem como do medo de perdê-los. "Não julgue para não ser julgado", lemos nas palavras de Jesus. "Se as portas da percepção estives­sem desobstruídas", disse Blake, "o homem veria tudo como é, infinito."

MOYERS: Essa é uma viagem difícil.

CAMPBELL: Essa é uma viagem celestial.

MOYERS: Mas isso é coisa só para santos e monges?

CAMPBELL: Não, acho que é também para artistas. O verdadeiro artista é aquele que aprendeu a reconhecer e a expressar o que Joyce chamou de "radiância" de todas as coisas, como epifania ou revelação da sua verdade.
MOYERS: Mas isso não deixa os outros, todos nós, simples mortais, numa posição muito inferior?
CAMPBELL: Não creio que exista isso de "simples mortal". Cada um de nós tem a possibilidade do êxtase em sua experiência de vida. O que é preciso fazer é reconhecê-lo, cultivá-lo e seguir em frente. Sempre me sinto incomodado quando as pessoas falam em "simples mortais", porque eu jamais conheci um homem, uma mulher, ou uma criança "simples".

MOYERS: Mas não é a arte o único caminho para atingir essa ilumina­ção?

CAMPBELL: A arte e a religião são dois caminhos conhecidos. Não creio que você o consiga através da pura filosofia acadêmica, que amarra tudo em conceitos. Mas viver, apenas, com o coração aberto aos outros, em regime de compaixão, é um caminho franqueado a qualquer um.

MOYERS: Isso quer dizer que o caminho da iluminação estaria à dispo­sição de todos, e não apenas de santos ou artistas? Mas se esse caminho está encerrado potencialmente em cada um de nós, lá no fundo daquela caixa da memória, como fazer para descerrá-lo?

CAMPBELL: Você o destrava quando encontra alguém que o ajude a destravá-lo. Você tem algum amigo querido ou um bom professor? Isso pode vir de uma pessoa, propriamente falando, ou de uma experiência como um acidente automobilístico ou um livro iluminador. No meu caso, quase tudo veio dos livros, embora eu tivesse tido um bom número de excelentes professores.

MOYERS: Quando li os seus livros, pensei: "Moyers, o que a mitologia fez por você foi situá-lo num ramo de uma árvore muito antiga. Você é parte de uma sociedade de vivos e mortos, que chegou aqui muito antes de você e continuará aqui muito tempo depois que você se for. Ela o nutriu e o protegeu, e, em retribuição, você deve nutri-la e protegê-la".

CAMPBELL: Bem, posso dizer-lhe que tem sido um formidável apoio para a vida. É inestimável o que essa espécie de fonte tem feito por mim, pois ela está permanentemente alimentando minha vida.

MOYERS: Mas as pessoas dizem: O mito não é uma mentira?

CAMPBELL: Não, a mitologia não é unia mentira; mitologia é poesia, é algo metafórico. Já se disse, e bem, que a mitologia é a penúltima verdade — penúltima porque a última não pode ser transposta em palavras. Está além das palavras, além das imagens, além da borda limitadora da Roda do Devir dos budistas. A mitologia lança a mente para além dessa borda, para aquilo que pode ser conhecido mas não contado. Por isso é a penúltima verdade.
O importante é viver a vida em termos de experiência e, portanto, de conhecimento, do mistério intrínseco da vida e do seu próprio mistério. Isso confere à vida uma nova radiância, uma nova harmonia, um novo esplen­dor. Pensar em termos mitológicos ajuda-o a se colocar em acordo com o que há de inevitável neste vale de lágrimas. Você aprende a reconhecer os valores positivos daqueles que aparentam ser os momentos e aspectos nega­tivos da sua vida. A grande questão é saber se você vai dizer, de coração, um sonoro sim ao seu desafio.

MOYERS: A saga do herói?

CAMPBELL: Isso, a saga do herói, a aventura de estar vivo.


Joseph Campbell com Bill Moyers, ‘O Poder do Mito’, pág. 172 e 173.

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