20081127

Ássana

O texto que segue é o seminário sobre Ássana apresentado por Maria Aparecida Fernandes e Tábita Pacheco Costa, na disciplina de Filosofia em setembro de 2008 do Curso de Formação de Professores de Iyengar do Yoga Dham, que foi gentilmente cedido por elas.

ÁSSANA


1. Definição de Ássana por B. K. S. Iyengar

Ássana é o terceiro estágio dos oito passos de Patanjali. Iyengar o define como uma das mais significantes ferramentas que ajuda o aluno a se desenvolver fisicamente e espiritualmente. Enfatiza que é necessário colocar o coração na prática do ássana para se tornar mestre das circunstâncias, da vida e do tempo.

A prática do ássana traz estabilidade, saúde e leveza ao corpo, não é um mero exercício físico, pois trabalha com cada músculo, nervo e glândula do corpo, garantindo um físico harmonioso, forte e elástico, mantendo-o livre de doenças. Treina, disciplina e esculpe a mente.

Em o “Luz na Vida”, Iyengar conta como iniciou sua jornada na yoga, que como a maioria das pessoas, foi pela procura dos benefícios físicos. Foi uma pessoa que nasceu com muitas enfermidades e se fortaleceu com a prática do ássana, mas descobriu que a yoga traz a realização espiritual. Ele cita que a maioria das pessoas que procuram a yoga por benefícios físicos, são pessoas de vida prática, anseios práticos, logo a yoga faz uma espécie de jogo com o corpo e com o eu e é se jogando que se aprendem as regras. Como o corpo é o veículo da alma, é preciso um corpo saudável para alcançar a libertação.

Não pode haver realização espiritual e existencial sem o suporte do veículo encarnado da Alma, o corpo de carne e osso, desde os ossos até o cérebro. Todos temos alguma percepção do que é o comportamento ético,mas, para chegar aos níveis mais profundos de yama e niyama, devemos cultivar a mente. Necessitamos de contentamento, tranqüilidade, serenidade, altruísmo, qualidades que precisam ser conquistadas. É o ássana que nos ensina a fisiologia dessas virtudes.

Para a execução de um ássana é necessário estar absorvido, com devoção, dedicação, atenção, honestidade na abordagem e apresentação. Tem de ter , coragem, determinação e consciência. Para Iyengar o ássana é uma arte de posicionar o corpo todo com atitude física, mental e espiritual.

A prática das posturas protege dos perigos e vicissitudes dos extremos. É preciso construir no corpo e na mente uma força moral que permita ter um controle sensato sobre si.
O capítulo 2 trará a definição de ássana e os efeitos da prática pelos sutras de Patanjali.

2. Sutras de Patanjali

II.46 sthira sukham āsanam

Tradução do Iyengar:
sthira: firme, fixo, constante, estável
sukham: felicidade, prazeroso
āsanam: posturas

Ássana é a perfeita firmeza do corpo, estabilidade da inteligência e benevolência do espírito.”

Iyengar interpreta este sutra da forma como o ássana deve ser executado: sentimento de firmeza, estabilidade e permanência no corpo trazendo inteligência à mente e contentamento ao coração.

Atenção e disciplina devem ser aplicados na prática de cada ássana para penetrar as camadas mais profundas do corpo. O ássana meditativo deve ser cultivado pelas fibras, células, juntas e músculos em cooperação com a mente.

Na execução de qualquer ássana o corpo precisa estar firme para a mente se tornar serena e harmoniosa. Mas o ássana não deve ser executado com agressividade no alongamento dos músculos ou dos tecidos da pele. O espaço deve ser criado para que a pele receba as ações dos músculos, juntas e ligamentos. Com isso a pele envia mensagens para o cérebro, mente e inteligência com julgamento apropriado das ações. É quando a ação e a reação se harmonizam.

A prática de ássanas dá clareza ao sistema nervoso, fazendo a energia fluir por todos os outros sistemas do corpo sem obstrução.

Cada ássana tem cinco funções de execução: conativo, cognitivo, mental, intelectual e espiritual. No livro a Árvore do Ioga”, Iyengar explica as cinco funções da seguinte maneira:

O termo conatus significa esforço, impulso, o aspecto ativo da mente, que inclui desejo e volição. Ação conativa é apenas a ação física no seu nível mais direto. A ação cognitiva é quando os órgãos de percepção – pele, olhos, ouvidos e nariz – sentem o que está acontecendo com a carne na postura fisicamente realizada. A ação de comunhão acontece quando a mente observa o contato entre a cognição da pele e a ação conativa da carne, chegando assim à ação mental do ássana. A mente age como ponte entre o movimento muscular e a ação dos órgãos de percepção, introduzindo o intelecto e ligando-o com todas as partes do corpo – fibras, tecidos, células – com isso surge uma nova percepção. Quando a mente analisa todas as partes do corpo vindas da ação, então se alcança o estágio de ação reflexiva. A prática espiritual da yoga é quando há a reunião total, sem flutuações da ação conativa, cognitiva, mental e reflexiva, compondo a conscientização plena.

Ocorre integração quando existe unidade da célula ao eu, do corpo físico ao âmago, do ser, quando a postura se torna contemplativa no seu estado mais elevado.

Tradução de Satchidananda:
Asana é uma postura firme e confortável.
- qualquer posição que traga conforto e estabilidade é um asana;
- basta dominar com perfeição um asana;
- para isso é preciso que o corpo esteja livre de toxinas físicas e mentais, pois estas criam enrijecimento e tensão;
- para conseguirmos uma postura meditativa é que foi criado o Hatha Yoga;
- através da prática dos asanas é possível livrar-se das toxinas;
- as verdades do Hatha Yoga são como ouro, outras coisas perdem o valor, mas o ouro é sempre o mesmo.

Tradução de Taimni:
A postura (deve ser) estável e confortável.

- os estudantes da filosofia do yoga devem compreender a diferença da prática de posturas no Hatha-Yoga e no Raja-Yoga;
- o Hatha-Yoga é baseado no princípio de que é possível produzir mudanças na consciência colocando em movimento correntes de certos tipos de forças sutis (prana e kundalini) a partir do corpo físico;
- para tal o corpo deve estar completamente saudável e pronto para o influxo e a manipulação dessas forças;
- em Raja-Yoga o método adotado para operar mudanças na consciência é controlar a mente pela vontade, suprimindo as citta-vrttis;
- o yogue deve eliminar completamente as perturbações provenientes do corpo físico;
- o yogue deve escolher qualquer uma das posições conhecidas como adequadas à meditação (padmasana ou siddhasana) e permenecer nessa postura por longos períodos sem fazer o menor movimento;
- com o tempo o yogue torna-se capaz de manter a postura indefinidamente a ponto de se esquecer completamente do corpo;
- para Taimni estável significa imóvel no sentido de fixar o corpo em determinada postura e manté-lo completamente imobilizado com relaxamento;
“Um determinado asana é considerado dominado quando o sadhaka pode mantê-lo estável (...) por quatro horas e vinte minutos”.


II.47 prayatna śaithilya ananta samāpattibhyām

prayatna: perseverança no esforço, aplicação contínua, empenho
śaithilya: relaxamento
ananta: infinito, ilimitado, eterno
samāpattibhyām: assumindo forma original, conclusão

Tradução do Iyengar:
A perfeição em um ássana é alcançada somente quando o esforço para executá-lo se torna sem esforço e o estado de infinito íntimo é alcançado.”

Perfeição no ássana é alcançada somente quando o esforço cessa, transborda a infinita estabilidade e permite que o veículo finito, o corpo, emerja ao observador.

O sādhaka pode estar firme na sua postura sem que haja necessidade de grandes esforços. Com a estabilidade ele pode penetrar dentro da mais profunda camada do corpo. Ele alcança o relaxamento mantendo a firmeza e a extensão do corpo. Daí é capaz de ler, pensar, escutar e penetrar no infinito, pois está imerso e indivisível com o universo. Alguns acreditam que é possível se tornar mestre do ássana rendendo-se a Deus.

Quando o sādhaka alcança o estado de equilíbrio, atenção, extensão, difusão e relaxamento, toma lugar simultaneamente no corpo a inteligência e eles emergem no assento da alma. Este é o sinal da libertação das dualidades entre o prazer e a dor, contração e extensão, calor e frio, honra e deshonra, etc.
Perfeição no ássana traz felicidade e beatitude.

O verdadeiro asana é aquele em que o pensamento de Brahman flui sem o menor esforço e incessantemente através da mente do sadhaka.” (Iyengar)

Tradução de Satchidananda:
Pela diminuição da tendência natural à intranqüilidade e pela meditação sobre o infinito, tem-se o domínio da postura.
- os sentidos querem experimentar muitas coisas, assim sendo nosso organismo fica muito poluído com as toxinas que nele penetram;
- para nos tranqüilizarmos devemos pensar em coisas estáveis;
- na tradição hindu costuma-se pensar em Adisesha, a serpente de mil cabeças que sustenta o mundo;
- essa imagem não deve ser entendida literalmente, mas devemos entender que a naja é uma imagem da força por conseguir manter a maior parte de seu corpo no ar;
- é através da quietude do corpo que dominaremos a intranqüilidade da mente;
- um dos mestres de Satchidananda costumava dizer: “Você não precisa repetir quaisquer orações ou mesmo praticar japa. Apenas sente-se tranqüilamente durante três horas a fio sem qualquer movimento que seja, sem nem mesmo piscar e tudo será então conseguido”;
- a importância de se fazer um voto e se manter inabalável no cumprimento desse voto (exemplo p. 159) como forma de dominar a mente.

Tradução de Taimni:
Pelo relaxamento do esforço e da meditação no “Infinito” (a postura é dominada.
- a manutenção de uma postura por longos períodos de tempo requer uma enorme força de vontade e para isso a mente deve ser dirigida constantemente para o corpo para impedir que este se movimente;
- Patanjali oferece duas alternativas para libertar a mente do corpo
- a primeira: para conseguir libertar a mente da consciência do corpo, o sadhaka deve aos poucos ir relaxando o esforço e transferindo o controle do corpo da mente consciente para a mente subconsciente;
- a segunda: meditar sobre ananta, a grande serpente que sustenta a terra, o que significa compreender que ananta é uma metáfora da força que mantém o equilíbrio da Terra.


II.48 tatah dvandvāh anabhighātah

tatah: então
dvandvāh: dualidades, oposições
anabhighātah: retenção das perturbações

Tradução do Iyengar:
Então, o sādhaka não é perturbado pelas dualidades.”

O propósito do ássana é pôr um fim às dualidades ou diferenciações entre corpo e mente, mente e alma. O sādhaka se torna único entre corpo, mente e alma.

Quando corpo, mente e a alma se unem através da execução de uma postura com perfeição, o sādhaka se encontra em um estado de beatitude. Neste estado, a mente que, é a raiz da percepção dual, perde sua identidade e cessam as perturbações. Isso é a unidade entre corpo, mente e alma. Não há contentamento ou sofrimento, calor ou frio, honra ou desonra, dor ou prazer. Esta é a perfeição na ação e liberdade na consciência.
Desaparecendo as dualidades através do domínio dos ássanas, o sādhaka está apto ao próximo passo, o pranaiama o quarto estágio da yoga.

Tradução de Satchidananda:
Conseqüentemente, alguém jamais é perturbado pelas dualidades.
- em uma postura firme e confortável não somos afetados pelas dualidades porque a mente está sob controle;
- mesmo, às vezes, ao nos irritarmos não perderemos o controle da situação.

Tradução de Taimni:
Então não há ataque dos pares de opostos.
- aqui o sadhaka ganha resistência aos pares de opostos existentes tanto no ambiente externo como no ambiente interno do corpo, que fazem a nossa vida oscilar constantemente;
- os pares de opostos, que produzem a distração (viksepa), podem ser, como por exemplo, o calor e frio, que afetam o nosso corpo físico ou como a alegria e a tristeza que afetam a nossa mente;
- outros benefícios: um corpo saudável e resistente à fadiga e à tensão;
- adquirir aptidão para a prática de pranayama e o desenvolvimento da força de vontade.


III.45 sthūla svarūpa sūkşma avaya arthavatva samyamāt bhūtajayah

sthūla: densidade
svarūpa: forma, atributos
sūkşma: sutil
avaya: total penetração, comunhão
arthavatva: propósito, totalidade
samyamāt: por contenção, restrição
bhūtajayah: maestria sobre os elementos

Tradução do Iyengar:
Pelo controle dos elementos da natureza – suas massas, formas, corpos sutis, comunhão e propósito, o yogue se torna Senhor sobre todos eles.”

Por contenção, o yogue ganha controle sobre a densidade e os elementos sutis da natureza, suas formas e gunas, tanto como seu propósito.

O Universo é constituído de elementos básicos da natureza (prakrti): terra, água, fogo, ar e éter. Cada elemento possui cinco atributos: massa, corpo sutil, forma, total penetração ou não, propósito.

A característica da forma corpórea dos elementos é: sólida, fluídica, calor, mobilidade e volume. Destes corpos, formam-se olfato, paladar, visão, tato e audição. Destas inter relações estão os três gunas, cujo o propósito é a liberdade ou beatitude.

O elemento terra tem cinco propriedades: som, tato, visão, paladar e cheiro. A água tem quatro: som tato, visão e sabor. O fogo três: som tato e visão. O ar tem som e tato e o éter tem uma única qualidade que é a do som.

Tradução de Satchidananda:
Por meio do samyama sobre os elementos grosseiros e sutis, e sobre a sua natureza essencial, correlações e objetivos, adquire-se o domínio sobre eles.

Tradução de Taimni:
Domínio dos panca-bhutas (é obtido) pela aplicação de samyama aos seus estados denso, constante, sutil, inter-penetrante e funcional.
- panca-bhutas são as diferentes qualidades ou princípios corporificados, em diversos graus, em uma determinada coisa e que tornam essa coisa única, diferente de todo o resto;
- o domínio dos panca-bhutas só é obtido através do conhecimento direto, ou seja, da unificação da consciência com a coisa em si, o que só ocorre em samadhi.


III.46 tatah animādi prādurbhāvah kāyasampat taddharma anabhighātah ca

tatah: daí
animādi: poder de se tornar mínimo e tão forte
prādurbhāvah: manifestação, aparência
kāya: do corpo
sampat: perfeição
tad: deles
dharma: atribuição, função
anabhighātah: não resistência não obstrução, indestrutível
ca: e

Tradução do Iyengar:
Da perfeição do corpo nasce (ou surge) a habilidade de resistir ao jogo dos elementos e (obter) poderes como anima (ou a capacidade de tornar-se bem pequeno)”.

O yogue pode reduzir ou expandir sua forma conscientemente. Pode se tornar leve ou pesado, pode perfurar rochedos e ter maestria e acesso a tudo.

Este sutra indica que pela conquista dos elementos, um yogue ganha maestria em três campos. O primeiro é a aquisição dos oito poderes supernaturais. O segundo é a perfeição do corpo no qual a terra não o suja, a água o umedeça e o fogo o queime. O vento não pode movê-lo e o espaço não pode ocultar seu corpo em qualquer lugar e em qualquer tempo.. O terceiro é a imunidade de lidar com os elementos e suas características e suas obstruções e distúrbios nos quais são criados.

Tradução de Satchidananda:
Daí vem a conquista de anima e outros siddhis, perfeição corporal e a não obstrução de funções corporais pela influência dos elementos.

(NOTA: Os oito principais siddhis que aqui se alude são: anima (tornar-se muito pequeno); mahima ( tornar-se muito grande); laghima (muito leve); garima (pesado); prapti (chegar a qualquer lugar); prakamya (realizar todos os desejos de alguém); isatva (capacidade para criar qualquer coisa); vasitva (capacidade para comandar e controlar tudo).

Tradução de Taimni:
Daí a obtenção de animan etc., a perfeição do corpo e a não obstrução de suas funções pelo poderes (dos elementos).
- como o primeiro resultado do domínio dos panca-bhutas advém os oito poderes ocultos ou maha-siddhis;
- os maha-siddhis são: animan, laghiman, gariman, prapti, prakamya, isatva, vasitva;
- o segundo resultado é a perfeição do corpo físico;
- o terceiro resultado é a imunidade da ação natural dos panca-bhutas; assim o yogue pode, por exemplo, atravessar o fogo sem se queimar e ainda obter outros poderes extraordinários e inacreditáveis;
- portanto, quem se torna senhor dos panca-bhutas também se torna senhor de todos os fenômenos naturais, ou seja, torna-se uno com a Consciência Divina.


III.47 rūpa lāvaņya bala vajra samhananatvāni kāyasampat

rūpa: forma graciosa, aparência
lāvaņya: graça, beleza, charme
bala: força
vajra: um raio, adamantino, duro, diamante, impenetrável
samhananatvāni: firmeza, compactação
kāya: corpo
sampat: perfeição, forma

Tradução do Iyengar:
Perfeição do corpo consiste em beleza na forma, graça, alongamento, compactação, dureza e brilho de um diamante.”

Tradução de Satchidananda:
Beleza, graça, força e dureza adamantina constituem a perfeição do corpo.

Tradução de Taimni:
Beleza, compleição excelente, força e solidez adamantina constituem a perfeição do corpo.
- o domínio dos bhutas levará o sadhaka a dquirir todos as qualidades que dependem da ação dos bhutas;
- a fealdade e as imperfeições no corpo físico advém das desarmonias, das obstruções e dos karmas;
- portanto, o corpo físico, mesmo sendo o mais rude dos nossos instrumentos, quando libertado atingirá a perfeição.


3 . Execução do Ássana por B. K. S Iyengar





O objetivo da prática de ássanas é a execução com o máximo de inteligência e amor.
A ioga visa à purificação do corpo e sua exploração, bem como o refinamento da mente. Isso requer força de vontade para suportar a dor física sem agravá-la. Sem uma certa dose de estresse, é impossível sentir o verdadeiro ássana, e a mente continuará com suas limitações e não avançará além das fronteiras existentes. Esse estado limitado da mente pode ser descrito como pequenez, mesquinhez.

Trikonasana é uma postura que Iyengar usou como exemplo em o “Luz na Vida” para demonstrar algumas armadilhas que prejudicam a perfeita execução do ássana. Se não houver dedicação para aprender os ajustes que permitirão ao corpo se abrir, a mente e a inteligência não se abrirão. Quando se pratica o ássana corretamente, o Eu se abre sozinho. Nesse ponto é o Eu que está fazendo o ássana, não o corpo nem o cérebro.

Iyengar faz uma analogia da execução do ássana com a arte de tiro ao alvo: “o corpo é o arco, o ássana é a flecha e a Alma o alvo.”

A definição de Herrigel em A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, prática milenar, é bem parecida de como se deve praticar os ássana:

O tiro com o arco não tem como objetivo nem resultados práticos, nem o aprimoramento do prazer estético, mas exercitar a consciência, com a finalidade de atingir a realidade última. É harmonizar o consciente com o inconsciente. O domínio técnico é insuficiente. É necessário transcendê-lo, de tal maneira que ele se converta numa arte sem arte, emanada do inconsciente. Arqueiro e alvo deixam de ser entidades opostas, mas uma única e mesma realidade. O arqueiro não está consciente do seu “eu”, como alguém que esteja empenhado unicamente em acertar o alvo. Mas esse estado de não consciência só é possível alcançar se o arqueiro estiver desprendido de si próprio sem contudo desprezar a habilidade e o preparo técnico.

A busca espiritual exige que se desenvolva o corpo até que ele deixe de ser um obstáculo. As emoções e o intelecto devem ser desenvolvidos para propósitos divinos.

O ássana revela como o pensamento involuntário rouba o equilíbrio. O exemplo usado por Iyengar no livro “Luz na Vida” é o ássana ardha chandrasana. Basta ter um pensamento de comemoração em que alcançou o equilíbrio no ássana para que haja a queda na postura. É preciso ter a mente quieta para se manter estável na postura.

É preciso aprender reflexão e correção no equilíbrio, para descobrir a origem dos movimentos e suas alterações, com isso é possível adquirir sensibilidade que leva ao autoconhecimento – o limiar da sabedoria.

A prática do ássana traz inteligência para a superfície do corpo celular por meio do alongamento. Ao manter a postura, ela atinge o corpo fisiológico. Uma vez desperto, o corpo pode revelar seu aspecto dinâmico, sua capacidade de discernir. Por meio de avaliação e de ajuste preciso e cuidadoso do ássana, se atinge o equilíbrio, estabilidade e a mesma extensão em todas as partes do corpo, com isso aflora a capacidade de discernimento. “O discernimento é um processo de ponderação, que pertence ao mundo da dualidade. Quando se descarta o que está errado, resta apenas o que está correto. À medida que a inteligência se expande em consciência, o ego e a mente se contraem, assumindo as proporções adequadas. Deixam de se impor e passam a servir a inteligência. A memória agora, alia-se à inteligência que busca a liberdade, não à mente, que busca a servidão.”

A penetração é possível em qualquer ássana que se execute com razoável proficiência. Uns poucos ássanas bem feitos podem ser suficientes para levar o sādhaka mais para dentro.

4 .Entrevista India Questions Yogacharya B.K.S. Iyengar



ROY: Bem-vindos ao INDIA QUESTIONS. Há um homem que tornou o yoga conhecido no mundo todo... Quem é esse homem? B.K.S. Iyengar. A revista Time o colocou entre as cem pessoas mais influentes do mundo. Ele conta com milhares de escolas, penso que mais de duas mil escolas de yoga ao redor do globo, e milhares de pessoas praticam Iyengar Yoga, que ele não gosta que chamem de Iyengar Yoga e nós vamos descobrir porquê, embora esses praticantes continuem a chamá-lo assim mesmo. Mas ele não gosta de publicidade e penso que ele é menos conhecido do que deveria em seu próprio país. Por que o senhor não gosta de publicidade?

IYENGAR: Naquela época, quando iniciei, publicidade era uma coisa muito difícil (...) Por exemplo, embora eu ensinasse yoga desde 1935, meu nome apareceu pela primeira vez em 1954 quando um armênio se beneficiou...

ROY: Foi Iehudi Menuhim, o grande violinista...

IYENGAR: Sim, o grande violinista. Foi quando ele disse: “Eu sofria há vinte anos e não podia tocar meu violino e este homem me ensinou durante três dias e meus concertos se tornaram um sucesso”.

ROY: E Iehudi Menuhim ficou muito agradecido desde então...

IYENGAR: Até o final de sua vida.
ROY: Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa, o senhor não precisa de nenhuma publicidade. Sabe por quê? O senhor tem noventa anos e está em ótima forma. Esta é a juventude da Índia e eu acho que o senhor está melhor que muitos deles. Certamente melhor do que eu...

IYENGAR: Eu acho que a juventude precisa mais do que nunca porque a vida está muito rápida e vibrante. Os jovens naturalmente têm essa vibração, mas ela não dura muito. Eu quero que esta vibração esteja sempre presente, como um rio que flui com velocidade da montanha em direção ao mar. Eu quero que meus jovens tenham essa velocidade...

ROY: Então o senhor não é contra essa velocidade, o senhor é favorável...

IYENGAR: (...) Patanjali diz que devemos mostrar força para aquietar a mente.

ROY: O que o senhor fez muitos anos atrás, cerca de 60 anos, foi reviver a tradição do yoga clássico.

IYENGAR: Sim.

ROY: O senhor documentou o yoga meticulosamente. Defina o seu yoga.

IYENGAR: Eu não digo que é o meu yoga, mas o que fiz foi dar qualidade a esse yoga. Veja, quando comecei a praticar, naquela época... a primeira coisa que o senhor deve saber é que eu estava com tuberculose, em 1928 foi diagnosticado com TB. Os médicos acharam que eu viveria por mais quatro ou cinco anos, mas eu ainda estou sobrevivendo e isso eu atribuo ao yoga. O que aconteceu foi que...

ROY: Malária também e tifo...

IYENGAR: Sim, tifo e malária, gripe... Então eu pratiquei yoga para ganhar saúde e felizmente a células más foram destruídas e cada célula passou a tocar o sino do yoga. Eu cheguei a esse nível. Aí, em 1935, quando comecei a ensinar yoga li alguns livros (...) Havia cinco professores de yoga e o yoga não era reconhecido. Eu achava que não deveria se assim em meu próprio país, o yoga era para aqueles entusiastas que se despiam, abandonavam seus pais, deixavam suas casas. Era essa a idéia dos indianos em 1935. Poucos professores de yoga.

ROY: Poucos professores!

IYENGAR: Eu estava em Puna, havia também em Kaivaliadam e Santa Cruz, apenas três instituições em toda a Índia... (?)

ROY: Mesmo!

IYENGAR: Então pensei que deveria dar qualidade ao yoga (...)
Havia muitos livros e nenhum deles mencionava que deveríamos alinhar a mente ao corpo e a cada músculo. Pensei que deveria alinhar a partir do corpo externo... a parte externa do corpo, como levar a mente a cada parte do corpo para que este fluísse como uma energia.

ROY: Deixe-me entender. O senhor está dizendo que queria que sua consciência chegasse a cada parte de seu corpo...

IYENGAR: Eu queria que a minha consciência chegasse a cada parte do corpo como o fluir da água. Pensei que em meu corpo a energia deveria fluir até a sola do pé, até o arco do dedão (...)
Eu queria que a minha consciência estivesse igualmente presente até o arco do dedão...

ROY: Até no arco do dedão o senhor queria sua consciências. Fascinante!

IYENGAR: Talvez vocês não saibam que temos dois arcos nos pés.

ROY: Não fazia idéia...

IYENGAR: Disse então que tinha que conseguir esse alinhamento. Assim está no Gita, (citação em sânscrito). O Senhor Krishna disse samakaya*, o que significa que o lado direito do corpo e o lado esquerdo do corpo devem estar exatamente alinhados do topo da cabeça até o períneo, passando pelo centro da garganta. Isso me deu a idéia de que eu deveria alinhar todas as partes do corpo de forma a não ocorrer nenhum desvio, refração ou contração
(...)... Dessa forma eu esculpi essa arte.

ROY: Posso fazer uma pergunta? Hoje, depois de sessenta nos de yoga, o senhor está com noventa anos...

IYENGAR: Estou ensinando há 75 anos...

ROY: Ensinando há 75 anos... O senhor recentemente afirmou que algumas partes o senhor ainda não conseguiu atingir... E nós então?

IYENGAR: O que é conhecido eu posso explicar. O que é desconhecido eu não posso explicar. Assim continuo explorando o corpo como o templo da alma e é assim que devemos explorá-lo para que esteja limpo, pois se não está limpo ninguém pode entrar.

ROY: Certo!

IYENGAR: Assim sendo, decidi que queria que a minha consciência estivesse em todas as partes (...). Usei minha inteligência dessa forma, vou fazer uma analogia: você tem a linha e você tem a agulha (...). A agulha é a consciência, o buraco da agulha é a inteligência e a ponta da linha é a mente. No momento em que a ponta da linha entra no buraco da agulha a mente desaparece, ela se dissolve. Não há mente.

* Sama-kaya: (“corpo inalterável”) um dos resultados do yoga correto e um dos sinais (cihna) positivos.


5 . Ksurika Upanishad – Upanishad que resume a essência de todas as formas da yoga

1 . Eu vou expor sobre a Navalha
que é, de fato, a concentração da mente
para realizar o Yoga;
o yogin que a pratica
estará seguro que não mais renascerá:

2 . está aí a razão de ser
e o propósito das Escrituras Védicas
como a disse o senhor Svayambu, Ele mesmo!
Para ter êxito, o yogin
deve escolher um lugar calmo
fazendo lá a sua morada;
fixando-se em uma postura
ele retrai os sentidos em si mesmo

3 . como uma tartaruga retrai seus membros,
fechando o seu espírito em seu coração
Graças ao Yoga de doze posturas
e ao uso da sílaba Om
ele enche de ar, progressivamente,
seu ser todo inteiro.

4 . Fechando as portas do seu corpo
ele retém o ar inspirado
depois expira pouco a pouco
para o alto para as narinas.

5 . Tendo assim dominado seus sentidos,
tornando-se mestre de si mesmo,
ele pratica o controle da respiração
com o seu polegar e os outros dedos;

6 . depois o ar ele inspira suave
em direção à parte baixa do seu corpo,
fazendo-o entrar dentro das cavidade
e refluindo-o até as panturrilhas.

(....)

13. Praticando o Yoga com constância,
o yogin concentra sua mente
com delicadeza sobre o Ponto Vital
até cortá-lo pouco a pouco,
como Indra, na sua Ira
decepou a cabeça de Vrta!

(...)

21. Tendo dominado seu espírito
graças ao ardor do seu Yoga,
tendo rejeitado todo apego,
conhecendo a fundo o Yoga,
o yogin consciente consegue, em sua solidão,
ficar livre dos desejos.

22. Como um pássaro
preso numa rede,
voaria para o céu
após haver cortado os fios,
o Atman do yogin,
libertado das malhas do desejo
pela navalha do Yoga,
escapa para sempre
da prisão do samsara!

23. Como uma tocha
na hora da sua extinção
cessa de brilhar quando termina
de queimar o óleo que continha,
o yogin desaparece
quando termina de queimar
os resíduos das suas ações.

24. Sim, quando a navalha
da concentração da mente
afiada pela retenção do alento
amolada sobre a pedra da renúncia,
cortou a trama da vida,
o yogin fica para sempre
liberto das suas amarras.

25. Livre de todo desejo,
ele se torna imortal
liberto das tentações
tendo cortado a trama
da mundanidade,
ele não está mais nas amarras
da transmigração.

Tal é a Upanishad.


6 . Trechos do Bhagavad Gita

“Para não caíres em confusão, discerne bem o uso destes termos. Só se abstém verdadeiramente, aquele que não odeia a ação, nem por ela se apaixona; assim é que ele pratica a renunciação, nada odiando e nada desejando. Quem está acima dos contrastes e conserva-se calmo e contente, sempre pronto a cumprir a sua tarefa e, contudo, sem apegar-se à obra, facilmente se liberta do vínculo da ilusão.”

“Ambos estes caminhos conduzem ao mesmo fim, e os que seguem um deles chegam ao mesmo ponto que os que vão pelo outro. Quem tem a reta percepção vê que o conhecimento e a atividade, ou – por outras palavras – a renúncia e aprática são uma coisa só, em sua essência.”

“O yogi, tendo-se libertado de todo o apego, executa as ações do corpo, da mente e do intelecto, e até dos sentidos, sempre com o fim de purificar a mente, e sem qualquer motivo egoísta.”

“Vivendo em harmonia com a Natureza, tendo abandonado o desejo e a esperança de recompensa pelas ações, alcança a Paz. Ao contrário, o homem que não vive em tal harmonia e que nutre desejos de recompensa por suas ações, é turbado, inquieto e descontente.”

“Aquilo que chamas corpo ou teu eu pessoal, ó Arjuna! Alguns filósofos denominam ‘o Campo’. A quem o conhecem os Sábios o chamam ‘Conhecedor do Campo’.”
“Sabe que Eu sou o Conhecedor do Campo em todos os Campos. A mim o discernimento entre o Campo e o Conhecedor do Campo é a verdadeira Sabedoria.”

“Com o nome de Natureza Material designam-se os elementos materiais, a consciência de personalidade, o intelecto, a força vital, os centros dos sentidos, a mente, os órgãos dos sentidos.”

“O amor e o ódio, o prazer e a dor, a multipliciadade, sensibilidade e coesão.”

“A Sabedoria Espiritual consiste em: modéstia, sinceridade, inocência, paciência, retidão, respeito para com os superiores, castidade, constância, domínio de si próprio.”

“Ausência de sensualidade, ausência de orgulho e vaidade, conhecimentos dos males de nascimento e morte, velhice, doença e sofrimentos.”

“Ela ensina a libertar-se dos vínculos pessoais entre o possuidor da sabedoria e sua mulher, seus filhos, sua casa. Dá constante equanimidade e tranqüilidade de espírito, tanto na ventura como na desventura.”
Referências Bibliográficas

FEUERSTEIN, Georg. Enciclopédia do yoga da Pensamento. São Paulo: Pensamento, 2005.

HERRIGEL, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. São Paulo: Pensamento, 1975.

IYENGAR, B. K. S. A árvore do ioga: a eterna sabedoria do ioga aplicada à vida diária. São Paulo: Globo, 2001.

IYENGAR, B. K. S. Light on yoga sutras of Patanjali. Great Britain: Thorsons, 2002.

IYENGAR, B. K. S. A luz da ioga: uma edição concisa do clássico de B. K. S. Iyengar Light on Yoga. São Paulo: Cultrix, 1980.

IYENGAR, B. K. S. Luz na vida: a jornada da ioga para a totalidade, a paz superior e a liberdade suprema. São Paulo: Summus, 2007.

IYENGAR, B. K. S. Yoga: the path to holistic health. 2. ed. Great Britain: DK UK, 2008.

LORENZ, Francisco Valdomiro. Bhagavad gita: a mensagem do mestre. São Paulo: Pensamento, 2006.

TAIMNI, I.K. A ciência do yoga: comentários sobre os yoga-sutras de Patanjali à luz do pensamento moderno. São Paulo: Teosófica , 2004.

TINOCO, Carlos Alberto. As upanishads da yoga: textos sagrados da antiguidade. São Paulo: Madras, 2005.

SATCHIDANANDA, Swami. Yoga Sutra de Patanjali: transcrito e comentado. Belo Horizonte: Gráfica e Editora Del Rey, 2000.
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